sexta-feira, 15 de junho de 2012


Capítulo V

Subiram para uma motinha amarelada, já um pouco antiga e muito usada, mas muito útil, naquela cidade enorme e de trânsito caótico. Pietro levantou o assento ergonómico retirando dois capacetes e colocou um deles, com desenhos de asas, num fundo azul-bebé, parecendo homenagear os afrescos que tinham acabado de observar juntos, passando-lhe para as mãos um de cor rosada. Maria segurou no capacete entre as mãos, hesitante, e o rapaz, ao perceber a sua dúvida soltou rapidamente. “É da minha irmã, costumo levá-la ao trabalho.” Justificou-se, ajudando-a a colocá-lo e apertando-o de forma suave. Maria retirou os cabelos que tinham ficado presos dentro do capacete e fitou o rapaz que a olhava sorrindo, retribuindo-o. Subiram e Pietro arrancou com toda a força enquanto Maria, atrás, se agarrava cada vez com mais força. Primeiro timidamente, com medo de fazer demasiada força, depois com vontade, com medo de ser projetada pelas curvas e contracurvas daquela motoreta que virava à esquerda e à direita, numa sucessão de reviravoltas confusas e incoerentes, em que todos os edifícios pareciam iguais e todas as estátuas pareciam feitas pelo mesmo artista. Não fazia a mínima ideia de onde estava e nem sequer se preocupava. Estava pronta para descobrir aquele novo mundo com todas as suas forças.
Pararam numa praça, La Piazza Navonna, bela, rodeada de edifícios gigantes, onde se destacava o palácio Pamphilj, sede da Embaixada do Brasil, talvez por Maria ter reconhecido imediatamente a bandeira canarinha. No centro, inúmeros turistas fotografavam a família ou os amigos em poses algo ridículas, frente a uma fonte onde se destacavam quatro enormes seres, com figuras de homens, entre rochas, rodeando um obelisco, símbolo máximo do poder e virilidade do império romano, importado do Antigo Egito. “La Fontana Quattro Fiumi, A fonte do quatro rios.” Apontou Pietro, depois de descerem ambos da mota, enquanto guardava distraidamente os capacetes no local de onde os retirara e Maria desviava os cachos que lhe tinham escapado para a frente dos olhos curiosos. “Quatro rios? Parecem quatro homens, no máximo quatro Deuses.” Aproximavam-se lentamente do centro da praça, procurando ver com mais pormenor a fonte. “Pietro começou a explicação. As figuras semelhantes a humanos na verdade simbolizam os quatro grandes rios conhecidos na altura, que por sua vez simbolizavam os quatro grandes continentes conhecidos.” Tinham chegado junto à fonte e Maria conseguia agora observar a delicadeza de traços de cada uma das figuras, num contraste um pouco brutal com a rudeza das pedras onde estas estavam pousadas. Conseguia perceber-se cada músculo, cada ligamento dos supostos rios, de tal modo que pareciam pessoas verdadeiras cobertas por uma fina camada de pó de pedra, tal era o realismo. “Este é o grande Nilo, de África,” apontava para um deles, “aquele é o rio Ganges, asiático e os do outro lado são o Rio da Prata na América e o Danúbio, na Europa.” “É impressionante!” Escapou-se dos lábios da rapariga que olhava atentamente cada detalhe enquanto ia deslizando à volta da fonte, seguida de perto pelo seu guia privado. “Pois é, foi esculpida Bernini, o mesmo que fez o baldaquino da Basílica de São Pedro.” Maria, tão submersa no banho de arte que tomava, acabava por se alhear do resto à sua volta e deixar escapar os pensamentos que, em qualquer outra situação, manteria secretos, bem lá no fundo da alma. “Estava a falar de ti.” Sentiu-se ruborizar e, de imediato, como que acometida por um choque de realidade, resolveu emendar enquanto Pietro sorria, naquele sorriso aberto e agradável de quem nada teme e nada esconde. “O que eu quero dizer é que sabes tudo sobre a história do teu país, da tua cultura. Percebes?” Fez uma pequena pausa procurando organizar as palavras de que precisava para se fazer entender. “Se isto acontecesse em Portugal, não saberia explicar-te nada deste género. Nada sobre a minha cultura. O máximo que poderia fazer era levar-te a um shopping para te mostrar lojas de marcas americanas ou a uma qualquer loja asiática, com milhões de pechinchas para recordações…” Pietro soltou uma sonora gargalhada. “Ah, eu sou uma pessoas suspeita para falar destas coisas. A coisa mais importante da minha vida é estudar os grandes artistas. E fiz montes de trabalhos sobre estas obras durante o meu curso. Cada um tem mais inclinação para um determinando assunto.” E virando-se para ela. “Tu, por exemplo, o que é que te apaixona? O que é que te faz falar sem teres noção de que está na hora de parar… O que te faz capturar uma turista que encontras num museu e desatar a falar sem lhe dar tempo para respirar?” Agora riam-se em conjunto, enquanto se iam afastando da famosa fonte. “Pois,” hesitou, “Não sei. Nunca me apaixonei assim por nada…” Encolheu os ombros e ambos permaneceram calados durante breves minutos até que Maria recomeçou. “Por acaso, há uma coisa que não me sai da cabeça há um bocado…” Perante a expressão curiosa do rapaz, disparou. “O que é um badalquino?”
***
As horas iam passando enquanto os dois jovens, sentados num banco de pedra, iam saboreando um gigantesco donuts, como Maria lhe chamou, gulosamente barrado de creme de chocolate e o romano lhe explicava que badalquino era o que tapava o papa e o seu altar, no interior da basílica, que Maria não chegara a ver devido ao doce rapto que vivera, até que resolveram deixar a bela praça e voltar cada um para o seu ritmo. Quando deu por si viu-se a sair da mota e acenar ao condutor, já à porta do seu refúgio, retribuindo o seu sorriso. Estava na hora de decidir o que fazer da sua vida.

4 comentários:

  1. E a despedida? Subtil? Sublime? Nervosa? O suspanse mantém-se!!!! Um beijinho

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  2. Entao , e depois o que e que aconteceu ? Will they get together again? Can't wait... Xx sonia

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  3. E agora.....quero já o proximo para ler por favor.......

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  4. Caras companheiras de viagem... a história fica cada vez mais emocionante e eu até vos poderia dizer o que vai acontecer a seguir... Bem, poder, eu podia... Mas não era a mesma coisa... Continuem nesta aventura e ... Boa viagem

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