Capítulo II
O autocarro que
a levava a Roma ia cheio, numa confusão de malas e maletas, de gente de várias
nacionalidades que falava várias línguas, uns com os outros ou ao telemóvel. A
paisagem que observava, pelo vidro da janela já quente daquele final de manhã
de Verão, assemelhava-se muito ao que os seus olhos estavam habituados. De
facto, se evitasse ler as palavras escritas nas lojas ou na sinalização,
poderia mesmo acreditar nunca ter saído de Portugal. Assim que entraram em
Roma, começou a notar algumas diferenças e a acreditar, finalmente, que estava
num país diferente. O centro da cidade era muito imponente. Os edifícios, muito
altos mas também regulares entre si, eram verdadeiramente magníficos.
Seguiam-se uns aos outros, imprimindo uma sensação de austeridade a quem se
apertava dentro de um diminuto autocarro que passava desapercebida aos
habitantes locais que circulavam em torno das suas vidas, alheios ao que os
rodeava. O trânsito, congestionado, fazia com que se tornasse cada vez mais
demorada a curta distância que faltava para chegarem à estação. Maria começava
já a ficar incomodada. Primeiro a viagem de avião, depois o passo de caracol
com que se dirigiam à cidade, os gritos das pessoas que se tornavam cada vez
mais impacientes até que se apercebeu que era hora de almoço e ainda não tinha
comido nada. Assim que se lembrou disso, foi como se o cérebro tivesse ido
contar ao estômago porque ele começou repentinamente a reclamar com roncos
doridos. Precisava de sair daquele autocarro quente e abafado, senão iria
desmaiar de fome. Já sentia mesmo as faces a rosarem. Pegou na mochila e
encaminhou-se, aos tropeções, pelo corredor do autocarro até chegar junto do
condutor, um homem de meia idade, barrigudo e com as pontas da camisa de fora,
que suava em bica, enquanto tentava fazer passar o autocarro pelas ruas cheias
de automóveis frenéticos. “Por favor,” começou de mansinho, tentando chamar a
atenção do homem que nem se virara para ver o que se passava, “por favor,
preciso de sair. Pode por favor parar para eu sair?” O condutor, de bochechas
vermelhas de raiva devido ao trânsito, limitou-se a carregar num botão para
abrir a porta automática e parar uns segundos, provocando um solavanco que
quase fazia virar o autocarro e por pouco não precipitou Maria para uma saída
ainda mais rápida pelo vidro da frente. Segurando a mochila, agora presa nos
dois ombros para evitar situações embaraçosas como a da manhã, saiu rapidamente
do autocarro, mesmo no segundo em que o homem carregava com o pé direito no
acelerador, voltando à agitada viagem. O ar, fora do autocarro, era ainda muito
quente, embora, em alguns locais, à sombra, se conseguisse uma temperatura mais
agradável. Precisava de comer alguma coisa, enquanto pensava numa forma de
encontrar a pequena pensão onde iria ficar, que tinha contactado, ainda antes
de partir, por telefone. Viu um cafezinho na esquina, do outro lado da rua e
resolveu aventurar-se a atravessar a estrada enorme e absolutamente entupida
para lá chegar. Os passeios da enorme rua estavam apinhados com gente de todos
os estratos sociais.
Por um lado, as
mulheres, de saias justas e travadas pelos joelhos, conjugadas com sapatos de
salto agulha, com os seus lenços de caxemira a cobrir-lhes os ombros subidos e
os homens com fatos de bons cortes, todos de pastas de executivo nas mãos
cuidadas. Alguns entravam por portões abertos que deixavam ver belos jardins
interiores com esculturas, muitos deles guardados por seguranças muito armados
e rigidamente fardados, possivelmente vigiando grandes e valiosos tesouros ou
documentos. Por outro lado, os turistas, tantos e tão diversificados, com as
suas mochilas a abarrotar e as câmaras, seguras precariamente em mãos cheias de
mapas da cidade, em busca das melhores recordações da cidade eterna. Os
romanos, esses, permaneciam adormecidos nas suas profissões e rotinas,
esquecidos da importância dos pequenos e grandes marcos históricos pelos quais
eram rodeados diariamente. Decidiu atravessar logo a seguir a uma fila de
táxis, que se iam chegando para a frente, sempre que o primeiro recebia mais um
cliente e o taxista pousava o jornal desportivo com que ia enganando a madorna,
prolongada pelo sol quente de início de tarde. A pastelaria era muito agradável
e fresca, sendo muito incaracterística, parecia-lhe que ia a qualquer momento,
pedir uma bica e um pastel de nata, numa qualquer rua de Lisboa. Assim que a
viram entrar, uma moça nova e loira dirigiu-se-lhe quase instantaneamente com
um sorriso caloroso. “Buon pomeriggio. Sono in grado di servirlo a mangiare.”[1] A
cara de Maria demonstrou exatamente o que tinha percebido, ou seja, nada. A
empregada sorriu novamente, divertida, no seu aventalzinho redondo, de
risquinhas cor-de-rosa e amarelo, a combinar com o papel de parede por detrás
do balcão. “English?”[2]
perguntou, experiente. A rapariga, mais satisfeita e ansiosa por praticar o
inglês aprendido nas aulas do secundário, respondeu rapidamente. “Yes, please,
I’d like something to eat. What do you recomend?”[3]
Simpática, a rapariga riu muito, um riso aberto e virou-se para o balcão, voltando
à mesa com o que lhe parecia ser um copo de leite com chocolate e um pedaço de
pão. “Cappuccino con cioccolato e
una fetta di Caprese al Limone.”[4] Pousando a refeição na mesinha, foi
imediatamente receber os novos clientes que iam entrando, com o mesmo sorriso.
O leite morno, levemente salpicado de canela em pó, soube-lhe imensamente bem,
restituindo-lhe as cores e as forças. Deleitou-se a olhar o movimento pela
janela, absorvendo o cheiro adocicado dos bolos frescos. Pagou e dirigiu-se
para a porta, despedindo-se também ela com um sorriso da funcionária que lhe
acenava. De volta à rua, embalada nos pensamentos, continuava a subir a rua,
embora não tivesse ideia porquê, uma vez que não seguia qualquer direcção.
Sentia vontade de observar, de sentir na pele e no espírito a nova cidade onde
ia viver. Precisava de interiorizar que já lá estava e que já não sonhava no
interior do seu quarto fechado.
Decidiu então ir
conhecer o local onde iria ficar e pousar as coisas. Pegando no telemóvel da
mochila, virou numa ruazinha à direita, evitando o barulho dos carros e começou
a retirar o papelinho amachucado com o nome da pensão e o número de telefone.
Estava tão concentrada a retirá-lo do bolsinho pequeno das calças de ganga
justas onde o tinha colocado para não o perder que não se apercebeu do pequeno
grupo que se aproximava silenciosamente. A sensação seguinte foi de
desequilíbrio. Um dos rapazes, de boné enterrado até às orelhas para não ser
identificado, andou na sua direcção até a fazer cair, enquanto o outro lhe
retirava suavemente o telemóvel da mão que o segurava. O terceiro elemento da
pequena quadrilha atenta a turistas desatentos, ficava na esquina movimentada a
vigiar. Em poucos segundos o grupo desapareceu entre a multidão e Maria deu-se
conta da sua situação. Estava num país estrangeiro, não falava a língua e não
fazia a menor ideia para onde se dirigir. Estava perdida…
ohhhhh e o resto da historia,agora estou curiosíssima. Por favor não demores a continuar.
ResponderEliminarPois é... E agora? O que será que vai acontecer com a nossa heroína... Continua a seguir esta fantástica aventura e... boa viagem ;)
ResponderEliminarReally good .... Well done ! Sonia
ResponderEliminarSe gostaste continua connosco... Boa viagem ;)
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