terça-feira, 12 de junho de 2012


Capítulo II

O autocarro que a levava a Roma ia cheio, numa confusão de malas e maletas, de gente de várias nacionalidades que falava várias línguas, uns com os outros ou ao telemóvel. A paisagem que observava, pelo vidro da janela já quente daquele final de manhã de Verão, assemelhava-se muito ao que os seus olhos estavam habituados. De facto, se evitasse ler as palavras escritas nas lojas ou na sinalização, poderia mesmo acreditar nunca ter saído de Portugal. Assim que entraram em Roma, começou a notar algumas diferenças e a acreditar, finalmente, que estava num país diferente. O centro da cidade era muito imponente. Os edifícios, muito altos mas também regulares entre si, eram verdadeiramente magníficos. Seguiam-se uns aos outros, imprimindo uma sensação de austeridade a quem se apertava dentro de um diminuto autocarro que passava desapercebida aos habitantes locais que circulavam em torno das suas vidas, alheios ao que os rodeava. O trânsito, congestionado, fazia com que se tornasse cada vez mais demorada a curta distância que faltava para chegarem à estação. Maria começava já a ficar incomodada. Primeiro a viagem de avião, depois o passo de caracol com que se dirigiam à cidade, os gritos das pessoas que se tornavam cada vez mais impacientes até que se apercebeu que era hora de almoço e ainda não tinha comido nada. Assim que se lembrou disso, foi como se o cérebro tivesse ido contar ao estômago porque ele começou repentinamente a reclamar com roncos doridos. Precisava de sair daquele autocarro quente e abafado, senão iria desmaiar de fome. Já sentia mesmo as faces a rosarem. Pegou na mochila e encaminhou-se, aos tropeções, pelo corredor do autocarro até chegar junto do condutor, um homem de meia idade, barrigudo e com as pontas da camisa de fora, que suava em bica, enquanto tentava fazer passar o autocarro pelas ruas cheias de automóveis frenéticos. “Por favor,” começou de mansinho, tentando chamar a atenção do homem que nem se virara para ver o que se passava, “por favor, preciso de sair. Pode por favor parar para eu sair?” O condutor, de bochechas vermelhas de raiva devido ao trânsito, limitou-se a carregar num botão para abrir a porta automática e parar uns segundos, provocando um solavanco que quase fazia virar o autocarro e por pouco não precipitou Maria para uma saída ainda mais rápida pelo vidro da frente. Segurando a mochila, agora presa nos dois ombros para evitar situações embaraçosas como a da manhã, saiu rapidamente do autocarro, mesmo no segundo em que o homem carregava com o pé direito no acelerador, voltando à agitada viagem. O ar, fora do autocarro, era ainda muito quente, embora, em alguns locais, à sombra, se conseguisse uma temperatura mais agradável. Precisava de comer alguma coisa, enquanto pensava numa forma de encontrar a pequena pensão onde iria ficar, que tinha contactado, ainda antes de partir, por telefone. Viu um cafezinho na esquina, do outro lado da rua e resolveu aventurar-se a atravessar a estrada enorme e absolutamente entupida para lá chegar. Os passeios da enorme rua estavam apinhados com gente de todos os estratos sociais.
Por um lado, as mulheres, de saias justas e travadas pelos joelhos, conjugadas com sapatos de salto agulha, com os seus lenços de caxemira a cobrir-lhes os ombros subidos e os homens com fatos de bons cortes, todos de pastas de executivo nas mãos cuidadas. Alguns entravam por portões abertos que deixavam ver belos jardins interiores com esculturas, muitos deles guardados por seguranças muito armados e rigidamente fardados, possivelmente vigiando grandes e valiosos tesouros ou documentos. Por outro lado, os turistas, tantos e tão diversificados, com as suas mochilas a abarrotar e as câmaras, seguras precariamente em mãos cheias de mapas da cidade, em busca das melhores recordações da cidade eterna. Os romanos, esses, permaneciam adormecidos nas suas profissões e rotinas, esquecidos da importância dos pequenos e grandes marcos históricos pelos quais eram rodeados diariamente. Decidiu atravessar logo a seguir a uma fila de táxis, que se iam chegando para a frente, sempre que o primeiro recebia mais um cliente e o taxista pousava o jornal desportivo com que ia enganando a madorna, prolongada pelo sol quente de início de tarde. A pastelaria era muito agradável e fresca, sendo muito incaracterística, parecia-lhe que ia a qualquer momento, pedir uma bica e um pastel de nata, numa qualquer rua de Lisboa. Assim que a viram entrar, uma moça nova e loira dirigiu-se-lhe quase instantaneamente com um sorriso caloroso. “Buon pomeriggio. Sono in grado di servirlo a mangiare.”[1] A cara de Maria demonstrou exatamente o que tinha percebido, ou seja, nada. A empregada sorriu novamente, divertida, no seu aventalzinho redondo, de risquinhas cor-de-rosa e amarelo, a combinar com o papel de parede por detrás do balcão. “English?”[2] perguntou, experiente. A rapariga, mais satisfeita e ansiosa por praticar o inglês aprendido nas aulas do secundário, respondeu rapidamente. “Yes, please, I’d like something to eat. What do you recomend?”[3] Simpática, a rapariga riu muito, um riso aberto e virou-se para o balcão, voltando à mesa com o que lhe parecia ser um copo de leite com chocolate e um pedaço de pão. “Cappuccino con cioccolato e una fetta di Caprese al Limone.”[4] Pousando a refeição na mesinha, foi imediatamente receber os novos clientes que iam entrando, com o mesmo sorriso. O leite morno, levemente salpicado de canela em pó, soube-lhe imensamente bem, restituindo-lhe as cores e as forças. Deleitou-se a olhar o movimento pela janela, absorvendo o cheiro adocicado dos bolos frescos. Pagou e dirigiu-se para a porta, despedindo-se também ela com um sorriso da funcionária que lhe acenava. De volta à rua, embalada nos pensamentos, continuava a subir a rua, embora não tivesse ideia porquê, uma vez que não seguia qualquer direcção. Sentia vontade de observar, de sentir na pele e no espírito a nova cidade onde ia viver. Precisava de interiorizar que já lá estava e que já não sonhava no interior do seu quarto fechado.
Decidiu então ir conhecer o local onde iria ficar e pousar as coisas. Pegando no telemóvel da mochila, virou numa ruazinha à direita, evitando o barulho dos carros e começou a retirar o papelinho amachucado com o nome da pensão e o número de telefone. Estava tão concentrada a retirá-lo do bolsinho pequeno das calças de ganga justas onde o tinha colocado para não o perder que não se apercebeu do pequeno grupo que se aproximava silenciosamente. A sensação seguinte foi de desequilíbrio. Um dos rapazes, de boné enterrado até às orelhas para não ser identificado, andou na sua direcção até a fazer cair, enquanto o outro lhe retirava suavemente o telemóvel da mão que o segurava. O terceiro elemento da pequena quadrilha atenta a turistas desatentos, ficava na esquina movimentada a vigiar. Em poucos segundos o grupo desapareceu entre a multidão e Maria deu-se conta da sua situação. Estava num país estrangeiro, não falava a língua e não fazia a menor ideia para onde se dirigir. Estava perdida…




[1] “Boa tarde! O que posso servir-lhe?”
[2] “Inglês?”
[3] “Sim, por favor. Queria alguma coisa para comer. O que recomenda?”
[4] “Capucino com chocolate e uma fatia de bolo de limão.”

4 comentários:

  1. ohhhhh e o resto da historia,agora estou curiosíssima. Por favor não demores a continuar.

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  2. Pois é... E agora? O que será que vai acontecer com a nossa heroína... Continua a seguir esta fantástica aventura e... boa viagem ;)

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